

Proponho uma reflexão intuitiva sobre educação. De lado ficam questões técnicas, orçamentais, jurídicas e de estruturas físicas. O propósito é pensar aquele que é o elemento nuclear da construção da pessoa e da sociedade, a educação. A tese que procurarei desenvolver pretende sustentar o argumento segundo o qual no processo educativo é a sociedade que é protagonista e é a mesma sociedade que é destinatária.
Desde logo, podíamos sublinhar diversos reducionismos reinantes: assumir que educação é assunto das escolas e, sobretudo em questões disciplinares, das famílias; dar por adquirido que os destinatários da educação são exclusivamente as crianças e os jovens; fazer coincidir cultura com entretenimento [do tempo], no contexto associativo por exemplo, obscurecendo uma perspetiva educativa; tornar a educação estética como um adereço ou um elitismo; menosprezar a educação profissional, em favor de uma intelectualidade apenas ‘livresca’; dar por adquirido que a educação familiar [englobando também o processo para se ser pai e mãe] é algo íntimo [excetuando questões legais] ou do âmbito da aprendizagem ‘técnica’…
Assim, importa que a educação pode ser repensada com amplitude de horizontes, com profundidade argumentativa e colocando no centro e na finalidade a humanização da pessoa e da sociedade.
Com Chesterton, aprendemos que “a educação deve ser uma lanterna dada ao homem para explorar tudo, mas muito especialmente as coisas mais distantes dele.” Importa reter a ideia da lanterna como um referencial e um apontar de caminho. Recuperar a credibilidade das lideranças, a magnetização sedutora dos testemunhos e a aprendizagem como resultado da relação pode ser um trabalho artesanal a empreender, fazendo da tecnologia um instrumento aliado e não um artefacto que dispensa aqueles elementos humanos. Na definição apresentada, sublinhe-se ainda a ideia de ‘explorar tudo’, salvaguardando a necessidade de especializações, como desafio a que se gerem pessoas curiosas e não acomodadas ao compartimento de saber eventualmente já adquirido. De
máximos, não de mínimos. Finalmente, a perspetiva de buscar o ‘distante’ obriga
a que a educação tenha Mundo, incorpore o diferente, dê espaço ao estranho,
valorize o avesso menos óbvio, hospede o estrangeiro.
máximos, não de mínimos. Finalmente, a perspetiva de buscar o ‘distante’ obriga
a que a educação tenha Mundo, incorpore o diferente, dê espaço ao estranho,
valorize o avesso menos óbvio, hospede o estrangeiro.
Em Paulo Freire encontramos a ideia segundo a qual “ninguém educa ninguém, como tão pouco ninguém se educa a si mesmo: os homens educam-se em comunhão, mediatizados pelo mundo.” Educar é humanizar e o pensamento do autor distingue duas etimologias possíveis para a palavra: ‘educare’, significando orientar, conduzir, nutrir; e educere, com o sentido de extrair, fazer nascer. Freire dirá que a primeira aceção redunda numa ‘educação
bancária’, de formatação da personalidade, talvez até ideológica e manipuladora, ao passo que a segunda teorização se concretiza numa ‘educação libertadora’, capaz de tornar humanas as pessoas, fazendo com que desabroche o potencial que nelas se inscreve.
bancária’, de formatação da personalidade, talvez até ideológica e manipuladora, ao passo que a segunda teorização se concretiza numa ‘educação libertadora’, capaz de tornar humanas as pessoas, fazendo com que desabroche o potencial que nelas se inscreve.
Concluímos com Eduardo Lourenço. Para ele, “o desejo de conhecimento é o que define o homem […]. Os gregos foram os primeiros a falar dessa libido, desse tonel que nunca seria preenchido, que a sabedoria máxima era ter o conhecimento do que não se sabe. Há o saber positivo, o saber que se aumenta constantemente e do qual o discurso científico é feito. Depois, há um saber que é o do sentido desse mesmo saber ou da nossa experiência em geral. E este é de uma outra ordem, não tem a compensação euforizante de uma verdade que se conquista, que se pode guardar, que se pode requisitar, preencher, tocar. A
verdade não é qualquer coisa que podemos ter na mão, é qualquer coisa que nos despe de todas as certezas. Sobretudo das infundadas.” Trata-se de um desafio a passar da espuma à raiz, a assumir o lugar da dúvida, a rejeitar ser dono da verdade. Logo, a crescer na e com a pluralidade, na e com a riqueza do contraditório, na e com a companhia dos que não pensam como nós. Sem autoritarismos, nem subjugações. Só para aprender.
verdade não é qualquer coisa que podemos ter na mão, é qualquer coisa que nos despe de todas as certezas. Sobretudo das infundadas.” Trata-se de um desafio a passar da espuma à raiz, a assumir o lugar da dúvida, a rejeitar ser dono da verdade. Logo, a crescer na e com a pluralidade, na e com a riqueza do contraditório, na e com a companhia dos que não pensam como nós. Sem autoritarismos, nem subjugações. Só para aprender.
Daqui decorre o espaço insubstituível da Escola e do Professor, com a primeira a ter de se transformar em laboratório de pessoas e o segundo em ‘parteiro’ da Humanidade alojada no interior das vidas. Mais do que técnica ou tecnologia, é de trabalho artesanal que se trata.
Mas amplifiquemos…
Uma eventual reescrita da Carta Educativa poderá pensar na formação familiar e na família como lugar de formação, de modo transversal e inter-geracional. Aproveitando a tecnologia, incrementando o debate, educando o gosto e suscitando a curiosidade intelectual a partir da relacionalidade familiar e nomeadamente da mês [em terras de gastronomia] como o móvel fundamental da família.
As respostas de educação de adultos são outra área a merecer investimento, decisão e criatividade. A formação política, por exemplo, é quase um árido deserto limitado ao arrebanhamento ocasional, com o consequentemente alheamento da militância, o enfraquecimento da discussão e o empobrecimento do espaço público. Na mesma lógica, o ensino profissional tem de ser uma opção estruturante, apoiada e o mais possível diferenciadora e adaptada às reais necessidades do território. Ainda neste campo, que as igrejas se incorporem e sejam desafiadas a fazer par nesta tarefa, colocando na mesa comum o contributo da sua identidade. Não equacionar estas possibilidades de caminho redunda, entre outras questões, na manutenção de um classicismo social perpetuador de
desigualdades.
desigualdades.
As associações culturais e desportivas não precisam de criar artistas, mas não podem reduzir-se também a lugares de entretimento e ocupação do tempo. São oportunidades de educação estética, de exercitação da sensibilidade, de estimulação criativa. De educação, portanto. Outro caminho pode equivaler à impossibilidade lógica de querer manter ‘mestres’ sem pensar nos discípulos.
As IPSS’s, dinâmicas incontornáveis de cuidado com os mais frágeis, não são resposta às desgraças. Cuidando de avós, educam filhos e netos. Amparando uma parte da sociedade, educam a sociedade inteira. Acolhendo os mais velhos, têm de os colocar em relação com os mais novos, porque esse simples encontro é em si mesmo educação. Menos que isto, poderá ser simples reação e resignação ao mínimo.
Haverá certamente possibilidade de avançar, respeitando a legítima autonomia institucional, mas sem ceder ao ‘síndrome do institucionalismo’, que nos impede de aproveitar a nosso favor a escala reduzida do nosso território. E há modos de fazer simples. Penso numa generalizada tendência para ‘não saber de nada’, enquanto não existe uma ‘comunicação oficial’, mesmo se, entretanto, o ‘dirigente A’ se cruzou com o ‘dirigente B’, aproveitando o facto de serem [pelo menos] ‘conhecidos’ para um breve diálogo sobre ‘futebol’, ambos incapazes de usar esse tempo para o desbloqueio do ‘assunto institucional’. Também aqui há que educar. Todos educadores e todos educandos.