Tendo feito parte da vida dos nossos antepassados ou no mínimo do imaginário do dia a dia das populações ribeirinhas, seguramente que durante mais de quatro séculos, a “Barca Serrana” esteve, pode dizer-se, no centro das mais importantes actividades económicas, comerciais, técnicas, culturais, sociais e humanas, das gentes da Beira, das cidades e outros aglomerados populacionais da bacia do Mondego.
(Arqto. Fernando Simões Dias)
Da autoria de Fernando Simões Dias, a Câmara Municipal de Penacova publicou em 2005, aquando do mandato do Engº Maurício Teixeira Marques, a obra “Ó da barca!…: (memória da barca serrana do Mondego)”. 1
Trata-se de um estudo fundamental para compreender a história desta embarcação e das lides a ela associadas, que durante muitos séculos marcaram a vida do nosso concelho.
A decadência da navegação comercial do Mondego é, geralmente, atribuída a quatro razões: a crise da vinha, atacada pela filoxera, a decadência do porto da Figueira da Foz, o assoreamento progressivo do rio e a chegada do caminho de ferro e construção das Linhas do Norte e da Beira Alta.
De acordo com Edgar Lameiras 2, o rio Mondego foi “desde tempos remotos, preferencialmente usado no transporte e exportação de mercadorias oriundas das diferentes localidades ao longo do rio: azeite, vinho, cereal e principalmente lenha, carqueja, ramalheira, carvão e madeira (cortada das encostas do concelho de Penacova) para Coimbra e Figueira da Foz.” No sentido inverso, “transportavam produtos que as populações serranas careciam, por exemplo sal, sendo descarregados principalmente no Porto da Raiva.3
O livro, escreve o autor, “faz um registo tão amplo quanto foi possível dos últimos testemunhos ainda existentes, relativo à Barca Serrana, através da pesquisa bibliográfica, pela via da entrevista, mais ou menos directa, ou ainda do registo objectivo, gráfico ou fotográfico, dos escassos exemplares e elementos que chegaram até hoje” apresenta os seguintes capítulos:
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- A bacia do rio Mondego
- As cheias do rio Mondego e o assoreamento
- A navegabilidade no rio Mondego
- A importância do rio Mondego
- A navegação comercial no rio Mondego
- A vida a bordo das barcas. Os costumes
- A navegação no rio Mondego
- A barca serrana. Arqueologia da barca serrana
- Os portos fluviais do Mondego
- Os homens dos barcos
- Inventário dos barcos tradicionais existentes no Mondego
- Planos de uma barca serrana pequena (27 cadernas)
- Planos de uma barca serrana média (41 cadernas)
- Planos de um barco de lavrador (6 metros -12 cadernas)
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Com esta obra pretendeu-se “dar a conhecer com clareza suficiente, embora de uma maneira sumária, o que foi a “Barca Serrana” e qual a sua importância social, económica e cultural para as populações e para a bacia do Mondego” -podemos ler na Nota Final. O livro enfatiza os conhecimentos técnicos de construção chegados até nós pela via do mestre carafete Júlio Dinis, da Ferradosa, “possivelmente o último dos construtores vivos ainda no activo”- salienta o Autor. Referem-se também muitos nomes de pessoas que, através do contacto pessoal, permitiram a Fernando Simões Dias enriquecer este magnífico trabalho que, no nosso entender, devia ser mais divulgado, lido e estudado.
“Sem actividade, sem barqueiros, as barcas serranas serão condenadas a um exílio em terra. Transformadas em peças de museu, já não transportam nada nem ninguém, apenas evocam o passado e a memória dos tempos idos.” – escreve Irene Vaquinhas, professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Contrariando, em parte, esta ideia, é de louvar o recente projecto de animação turística “Serranas do Mondego” que traz agora às águas da vila de Penacova e da cidade de Coimbra um cheirinho de outros tempos.
David Almeida
1 Ó da barca!… : (memória da barca serrana do Mondego) / Fernando Simões Dias. – Penacova : Câmara Municipal de Penacova, 2005. – 202, [1] p. : il. ; 24 cm. – Bibliografia, p. 207-208. – ISBN 972-99628-0-4 https://bibliografia.bnportugal.gov.pt/bnp/bnp.exe/registo?1648538
2 Revista “Antropologia Portuguesa”, nº 6, 1988)
3 Com as suas feiras às Segundas e Quintas-feiras onde o material era rapidamente escoado.